Por Dra. Ana Paula Siqueira para a revista Escola Particular.
Com placar apertado, por seis votos a cinco, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional o corte etário de 6 anos para ingresso respectivamente, na educação infantil e no ensino fundamental. Os Ministros ainda decidiram, por maioria, que a idade precisa estar completa no início do ano letivo, quando da realização da matricula. A decisão foi proferida no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 17 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 292; ambas questionavam exigências previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) e em normas do Conselho Nacional de Educação (CNE).
A ADPF 292, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), discutia, respectivamente, a acessibilidade à educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, da acessibilidade à educação infantil em creche e pré-escola às crianças até 5 anos de idade e da isonomia no acesso à educação. Ela foi julgada improcedente. Prevaleceu o entendimento do Ministro Relator Luiz Fux, no sentido de que as exigências de idade mínima e marco temporal previstas nas resoluções do CNE foram precedidas de ampla participação técnica e social e não violam os princípios da isonomia e da proporcionalidade, nem o acesso à educação. Votaram com o Relator os Ministros Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e a presidente do STF, Ministra Cármen Lúcia. Os Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli e Celso de Mello divergiram. Para eles, a imposição do corte etário ao longo do ano que a criança completa a idade mínima exigida é inconstitucional.
A ADC 17, ajuizada pelo governador de Mato Grosso do Sul, visava à declaração de constitucionalidade dos artigos 24, inciso II, 31 e 32, caput, da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), com a interpretação de que o ingresso no ensino fundamental está limitado a crianças com seis anos de idade completos no início do ano letivo. O governo mato-grossense argumentava que haveria questionamentos judiciais contra a regra da idade mínima, com decisões determinando a matrícula de alunos com idade inferior à determinada pela LDB. A ação foi julgada procedente. Prevaleceu a divergência inaugurada pelo Ministro Roberto Barroso no sentido da validade da exigência de idade para o ingresso no ensino fundamental, cabendo ao Ministério da Educação definir o momento em que o aluno deverá preencher o critério etário. Ele foi acompanhado pelos Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Cármen Lúcia.
Em manifestação anterior, o Ministro Roberto Barroso já havia se manifestado no sentido de que a data de corte fixada pelo Ministério da Educação é a que atende ao melhor interesse da criança, na medida em que preserva a infância e o regular desenvolvimento da criança que ainda não completou os 6 anos de idade. Apresentou, ainda, cinco premissas: 1. Capacidade institucional: temos que ser autocontidos sobre decisão do MEC; 2. Decisão afetaria conquista relevante, que é a Base Nacional Comum Curricular; 3) mudança na faixa etária de ingresso produz efeito sistêmico em sistema com 15 milhões de crianças; 4) é do interesse da criança viver seus cinco anos até o limite; e 5) seis anos são seis anos e não cinco e alguma coisa. O Ministro afirmou também que não há como gerir uma rede se cada criança puder ingressar no ensino em uma data diferente, sendo que o dia 31 de março geralmente coincide com a data de início das aulas do ensino fundamental. O ministro ressaltou ainda que é preciso prestigiar decisões técnicas: “Eu sei que os pais sempre acham que os seus filhos são prodígios e extraordinários e merecem ter sua vida acelerada. É um erro. A gente na vida deve viver e desfrutar de cada etapa que o universo nos proporciona”.
O relator da ação, Ministro Edson Fachin, já havia se manifestado em 2017 pela constitucionalidade da Lei 9.394/1996: “É constitucional a Lei 9.394/1996 no que fixa a idade de 6 anos para o início do ensino fundamental, inadmitida a possibilidade de corte etário obstativo de matrícula da criança no ano em que completa a idade exigida”, afirmou o ministro. Apesar de considerar constitucionais os dispositivos legais que fixam a idade mínima de ingresso, ficou vencido em parte ao não admitir o corte etário previsto na LDB. Em seu entendimento, a idade exigida para matrícula poderia ser completada até o último mês do ano. Também neste processo, ele foi acompanhado pelos Ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli e Celso de Mello.
Em voto-vista, o Ministro Marco Aurélio se manifestou no sentido da constitucionalidade das normas. Para o Ministro, a Constituição Federal dá margem para legislador e órgãos do Executivo definirem os critérios etários para ingresso de alunos na educação básica. O Ministro salientou, ainda, que a adoção da data de 31 de março como corte de idade para matrícula na educação básica foi precedida de discussões e audiências públicas com especialistas de todo o País, conforme narrado em parecer do CNE que foi juntado aos autos da ADPF 292. Destacou a existência de estudos acadêmicos reconhecidos internacionalmente apontando prejuízos ao desenvolvimento infantil decorrentes da antecipação do ingresso dos alunos na educação básica. Afirmou também que, não tendo ocorrido violação de núcleo essencial de direito fundamental, não cabe ao STF alterar as normas. “Ao Supremo não cabe substituir-se a eles, considerada a óptica de intérprete final da Constituição, sem haver realizado sequer audiência pública nem ouvido peritos na arte da educação”.
O Ministro também observou que o corte etário não representa o não atendimento das crianças que completem a idade exigida após 31 de março, pois a LDB garante o acesso à educação infantil por meio de creches e acesso à pré-escola, para as que completarem quatro e seis anos depois da data limite. Para o Ministro Celso de Mello, o acesso à educação é direito básico dos cidadãos, não sendo possível que o poder público disponha de amplo grau de discricionariedade que o permita atuar e, por meio de argumentos meramente pragmáticos, comprometer a eficácia desse direito básico. Nesse sentido, entende não ser possível efetuar o corte etário para impedir as crianças que completem a idade mínima ao longo do ano de ingressarem na educação básica.
O Ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, afirmou que é preciso diferenciar escolas privadas e públicas, diante de realidades diferentes. “Na vida real das escolas públicas, na verdade os pais não querem matricular os filhos que vão completar seis anos, com todo o respeito ao ministro Barroso, porque acham que são prodígios. Na escola particular, todo pai consegue uma liminar e matricular. Eles querem matricular nas escolas públicas para que o filho tenha merenda, para que o filho não fique sozinho em casa e eles possam trabalhar, para que o filho pegue gosto pelo ensino.” Em seu voto, propôs: “É constitucional a norma que fixa a idade de seis anos como marco para o ingresso no ensino fundamental, com base no critério etário da CF, que obriga o ensino infantil a partir dos seis anos; cabe ao MEC que tem capacidade institucional adequada para decidir sobre a matéria. Portanto, procedente o pedido na ADC para declarar Constitucional que o MEC defina o momento para preencher o critério etário”.
O voto de minerva da então presidente da corte, Cármen Lúcia, encerrou o imbróglio jurídico que perdurava há anos, ao decidir que é constitucional a exigência de 6 anos de idade para ingresso no ensino fundamental e que cabe ao MEC a definição do momento em que a criança deverá preencher o critério etário. A Ministra observou que, ao estabelecer os critérios, o CNE não atuou de forma arbitrária, pois levou em consideração estudos e as especificidades estaduais. Segundo ela, sem uma data limite de âmbito nacional, haveria uma desorganização do sistema, porque o início do ano letivo não é igual em todas as unidades da federação.
Dessa forma, não há mais dúvidas, após esse julgamento, de que o critério etário definido pelo MEC nas resoluções 1/2010 e 6/2010 do CEB/CNE deve ser seguido nacionalmente, por todos estados e municípios, e aplica-se indistintamente à rede pública e privada. A decisão do STF deixa claro que o corte etário é uma norma geral de educação, cuja competência é da União, por se tratar de matéria de competência legislativa concorrente, competindo à União estabelecer normas gerais de educação, e aos Estados, suplementá-las. Na prática, essa atribuição é exercida pelo MEC, assessorado pelo CNE. Nesse sentido, o Brasil, com 26 estados, um Distrito Federal e 5.570 municípios, se não houver uma data unificada em todo o território nacional, a coordenação da política nacional de educação fica prejudicada, gerando insegurança jurídica até mesmo em casos corriqueiros como o de transferência de alunos.