Maurício Businari
Colaboração para o UOL, de São Paulo
Estelionatários estão visando caminhoneiros autônomos para aplicar golpes na praça. Os criminosos obtêm dados pessoais dos motoristas, que são então usados para fazer empréstimos usando o nome das vítimas. O prejuízo financeiro acarreta outras dificuldades para os profissionais: com o nome sujo, eles têm problemas para conseguir novos trabalhos.
Como é o golpe?
Caminhoneiros autônomos precisam se cadastrar em transportadoras para conseguir fretes. Para isso, eles precisam enviar fotos de documentos e comprovantes de endereço —costumam ser os mesmos documentos usados para abrir contas em bancos e pedir empréstimos.
Esses dados podem ser vazados por transportadoras ou obtidos com anúncios de frete falsos. Os golpistas geralmente entram em contato com os motoristas através de anúncios em classificados online, aplicativos ou até mesmo por telefone, e pedem cópias de uma série de documentos.
Com as informações, os criminosos abrem contas em banco e pedem empréstimos no nome das vítimas. As dívidas nunca são pagas e os caminhoneiros ficam com o nome restrito em empresas de avaliação de crédito.
As vítimas têm dificuldades em conseguir trabalho com transportadoras legítimas. Isso porque as empresas de frete checam os antecedentes dos profissionais antes de fecharem os contratos de transporte. Elas dão preferência a motoristas com “ficha limpa” para evitar roubo de cargas.
Esse golpe surgiu há alguns anos, mas o número de vítimas disparou nos últimos meses, diz a associação da categoria. Ao menos um caso por dia de golpe relacionado a cadastro para realização de fretes é registrado, afirma Everaldo Bastos, vice-presidente da entidade da Fetrabens (Federação dos Caminhoneiros Autônomos de Cargas em Geral do Estado de São Paulo).
Humilhação e impunidade
Uma das vítimas desse golpe é Paulo Valle, de Leme, no interior de São Paulo. O autônomo, que é caminhoneiro há 32 anos, afirma que começou a receber ligações e correspondências cobrando o pagamento de empréstimos e sua presença em bancos no fim de 2022.
Ao UOL, ele disse que os golpistas deixaram em seu nome dívidas de quase R$ 27 mil. Em um dos bancos, Valle deve 24 parcelas de R$ 972,64 (R$ 23.343,36). Em outro, o valor da cobrança é de R$ 3.458,59.
O nome sujo por causa das fraudes está prejudicando a aceitação de seu cadastro por empresas. “Abriram contas em várias instituições de crédito e não consigo limpar o nome. E eu dependo do nome limpo para trabalhar. Como sou autônomo, preciso estar com o nome limpo para poder fazer o cadastro [nas empresas], para fazer o carregamento”, diz Valle.
Segundo o motorista, sua situação só não é mais grave pois ele têm casa própria e consegue contratos com empresas com quem tem boas referências. “A gente [ele e a família] não está dependendo de ajuda financeira porque, graças a uns contatos que me conhecem bem, eu tenho conseguido fazer alguns serviços”, afirma.
A gente fica com uma sensação de humilhação e impunidade. A gente espera da Justiça que faça o melhor possível, que coloque essas pessoas no lugar delas, que não façam mais com outras pessoas.
Paulo Valle, caminhoneiro autônomo.
O caminhoneiro suspeita que o vazamento de seus dados partiu da Transval Transportadora Valmir. Com a ajuda da advogada Ana Paula Siqueira, especializada em LGPD (Lei Geral de Proteção aos Dados), Valle obteve cópias dos documentos usados pelos estelionatários para abrir uma conta bancária.
A foto usada na abertura da conta é a mesma que enviou para se cadastrar na Transval Transportadora, diz o motorista. Com base nisso, Valle e Siqueira estão processando a empresa e pedem indenização de R$ 15 mil por danos morais.
Ainda não há um desfecho para a ação, que aguarda julgamento. O UOL entrou em contato com a transportadora citada no processo por meio de e-mail, mas, até o momento, a empresa não se pronunciou sobre o caso.